O papel da nutrição na prevenção e combate de doenças em suínos
A nutrição desempenha um papel fundamental na manutenção da saúde e desempenho animal, como ficou demonstrado na apresentação do Dr. Henrique Cemin, Nutricionista Senior para Suínos na Hubbard Feeds, uma empresa do grupo Alltech, na Conferência Alltech One, com o título ‘Cuidar de suínos desafiados por doenças: A mudança de fontes de nutrientes pode afetar o seu desempenho?’.
A mortalidade dos suínos é um dos maiores se não o maior desafio que as suiniculturas enfrentam atualmente. Nos EUA, por cada 100 animais nascidos apenas 75 a 80 chegam aos seis meses de idade, a taxa de mortalidade média nas suiniculturas ronda os 20% a 25%, sendo mais elevada nas primeiras semanas de vida e na fase pós-desmame. Isto revela grande ineficiência do sistema produtivo e exige respostas para melhorar a rentabilidade e a sustentabilidade das explorações.
A principal causa desta mortalidade elevada são as doenças respiratórias, sobretudo a síndrome respiratória e reprodutiva dos suínos (PRRS), uma doença de origem viral que em 2021 teve um impacto tremendo nas suiniculturas norte-americanas, com taxas de mortalidade de até 40%, devido a uma variante mais infeciosa da PRRS. Os rotavírus, o vírus da doença da fronteira (BDV), as salmonelas e a E. coli são também problemas de saúde com impacto significativo na rentabilidade das explorações. “Temos assistido a um grande número de suiniculturas com graves problemas de E. coli que expressam mais toxinas e são mais resistentes aos antibióticos”, afirmou o Dr. Henrique Cemin.
Nos EUA há um enorme esforço para tentar resolver a questão da mortalidade elevada em suínos. A academia e a indústria têm em curso um novo projeto designado ‘Improving Pig Survivability’ (melhorar a taxa de sobrevivência dos suínos) financiado pelo National Pork Board.
Para responder a esta questão complexa é necessária uma abordagem holística, centrada nas questões de saúde, gestão e nutrição. A biossegurança, a idade ao desmame, as condições das instalações (temperatura, ventilação, limpeza e desinfeção) são temas que devem merecer a atenção dos produtores, bem como a nutrição que desempenha um papel vital na resposta a este desafio.
Há novas tecnologias e estratégias que podem ter um impacto positivo na saúde dos suínos e contribuir para reduzir a mortalidade, tais como a modulação do microbioma, o transplante da microbiota ou a edição de genes. No entanto, o Dr. Henrique Cemin centrou a sua apresentação em 6 estratégias nutricionais que podem ajudar os produtores a prevenir e a combater as doenças.
6 estratégias nutricionais para melhorar a saúde e o desempenho dos leitões
1. Proteína
Na fase pós-desmame os leitões têm uma capacidade digestiva relativamente limitada, uma vez que o seu trato gastrointestinal está adaptado para digerir o leite, e por isso se optarmos por uma dieta com elevado teor de proteína é provável que uma parte significativa desta proteína não seja digerida no estômago nem no intestino delgado, passando para o intestino grosso, onde vai alimentar as bactérias patogénicas, podendo causar diarreia, fraco desempenho dos leitões, aumento da necessidade de uso de antibióticos e aumento da taxa de mortalidade.
O Dr. Henrique Cemin referiu que a investigação mais atual demonstra que uma dieta contendo proteína bruta abaixo de 18% pode contribuir para reduzir a quantidade de proteína fermentada no intestino grosso e, consequentemente, melhorar a consistência fecal e reduzir a incidência de diarreia. Além disso, foi demonstrado que dietas com baixo teor em proteína bruta podem contribuir para reduzir a resposta inflamatória resultante de E. coli e para diminuir a população desta bactéria patogénica no trato gastrointestinal.
2. Fibra
A fibra pode ser definida como todos os hidratos de carbono que resistem à digestão e são fermentados no intestino grosso. Os leitões em fase pós-desmame têm pouca capacidade para digerir hidratos de carbono estruturais.
Há dois tipos de fibras – as solúveis e as insolúveis. As fibras solúveis são rapidamente fermentadas pelos suínos para produzir ácidos gordos voláteis e têm um efeito pré-biótico, melhorando a fermentação bacteriana benéfica, reduzindo o pH para eliminar os agentes patogénicos. No entanto, as fibras solúveis aumentam a viscosidade digestiva, o que por sua vez reduz a taxa de passagem e aumenta a probabilidade de colonização do intestino por agentes patogénicos. Em oposição, as fibras insolúveis são muito mais resistentes à fermentação e contribuem menos para a produção de ácidos gordos voláteis, mas aumentam a taxa de passagem digestiva, evitando assim a colonização do trato gastrointestinal por agentes patogénicos.
Então qual é a fonte de fibra mais adequada para os leitões na fase pós-desmame?
De um modo geral, a investigação parece sugerir que as fibras insolúveis são as mais indicadas para os leitões na fase pós-desmame. No entanto, há também alguns relatos de que a combinação de fibras solúveis e insolúveis tem um efeito sinérgico, desde que a fonte solúvel tenha pouco ou nenhum impacto na viscosidade digestiva.
O Dr. Henrique Cemin referiu a sua experiência neste tema com base em dois ensaios que realizou com leitões desmamados com 21 dias de idade, à escala comercial. No primeiro ensaio, forneceu trigo, que é uma fonte de fibra insolúvel, com uma taxa de inclusão de até 20% na dieta e verificou uma diminuição significativa da energia líquida à medida que aumentou a taxa de inclusão do trigo na dieta. O ganho médio diário de peso foi menor do que o esperado, considerando a elevada taxa de inclusão desta fibra insolúvel. No segundo ensaio, com polpa de beterraba sacarina, que é uma fonte de fibra solúvel, o investigador não observou qualquer impacto no desempenho do crescimento dos animais com a inclusão de até 5% de polpa de beterraba sacarina na dieta.
3. Farinha de soja
A farinha de soja é uma excelente fonte de proteína para os suínos e a investigação tem demonstrado existirem potenciais benefícios para a saúde derivados do uso deste ingrediente, embora ainda não se compreendam na totalidade as razões destes benefícios. Uma das hipóteses é que este ingrediente contém componentes bioativos, como as isoflavonas e as saponinas, conhecidas pela suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e antivirais.
O Dr. Henrique Cemin referiu estudos nos quais se observaram melhorias significativas do desempenho dos animais e, mais importante, uma redução na carga viral de PRRS à medida que se aumentou a taxa de inclusão de soja na dieta. Por exemplo, num estudo da Drª Greiner, realizado em 2001, no qual foi administrada genisteína, que é um das isoflavonas presentes na farinha de soja, a quantidade de vírus PRRS no soro dos suínos reduziu-se à medida que se aumentaram os níveis de inclusão na dieta. “Parece que a farinha de soja, ou pelo menos componentes da farinha de soja, têm o potencial de fornecer alguma proteção, especialmente contra doenças respiratórias”, concluiu o investigador.
4. Aminoácidos funcionais
Alguns aminoácidos têm funções importantes no sistema imunitário e, portanto, são necessários em maior quantidade quando há um problema de saúde. A treonina, a metionina e triptofano são três dos aminoácidos que recentemente têm suscitado muito interesse por parte dos investigadores.
Um estudo publicado em 2021 pelo Centro de Investigação Prairie, no Canadá, concluiu que em leitões saudáveis em fase pós-desmame a variação do nível de administração de aminoácidos não tem influência significativa no desempenho dos animais. Por outro lado, no grupo submetido a salmonela, com o aumento do rácio de inclusão de aminoácidos na dieta houve uma melhoria significativa no desempenho dos animais, quase ao nível do grupo de controlo (animais saudáveis), independentemente do nível proteico administrado.
5. Alimentação no solo
Outro dos estudos referidos pelo Dr. Henrique Cemin comparou a alimentação de suínos em fase pós-desmame com e sem alimentação fornecida no solo. O ensaio foi realizado com cerca de 10.000 animais por Madie Wensley, no âmbito do grupo ‘Improving Pig Survivability’, referido no início deste artigo. Os investigadores descobriram que o fornecimento de rações no solo três vezes ao dia durante 10 dias após o desmame resultou numa diminuição significativa da mortalidade total e contribuiu para baixar a retirada de animais da recria 9,3% para 8%.
6. Creep feed
O segundo estudo do mesmo grupo de investigadores comparou diferentes dietas em leitões quatro dias antes do desmame: sem alimentação sólida, com pellets standard, com pellets grandes e com ração de lactação. Os investigadores concluíram que fornecer creep feed quatro dias antes do desmame contribuiu significativamente para reduzir a taxa de mortalidade e a retirada dos leitoes da recria. Os melhores resultados foram obtidos com a administração de pellets grandes.
A nutrição por si só não resolve os problemas de saúde dos suínos, mas pode ter um impacto positivo, concluiu o Dr. Henrique Cemin, Nutricionista Senior para Suínos na Hubbard Feeds, empresa que desenvolve soluções para nutrição de várias espécies pecuárias, baseada em investigação e desenvolvimento próprios. Anualmente realiza cerca de 20 projetos de I&D envolvendo mais de 40.000 suínos.