O bom funcionamento do rúmen é a chave para ter bovinos de leite eficientes e sustentáveis
Por: Drª Amanda Gehman*
O rúmen tem como funções primárias a digestão da fibra e a síntese das proteínas de origem microbiana. Estas funções são essenciais, pois a energia e a proteína utilizadas pela vaca provêm do rúmen. O bom funcionamento do rúmen permite uma ingestão e digestão ótimas, ao passo que o mau funcionamento do rúmen pode afetar negativamente a ingestão da ração, a saúde da vaca e, em geral, o desempenho do animal.
Formular corretamente a ração e perceber o papel de cada ingrediente e como interatua com os demais é um passo importante para ajudar ao bom funcionamento do rúmen das vacas leiteiras. Afinal de contas o rúmen precisa de funcionar de forma eficaz e efetiva para fornecer à vaca os nutrientes de que necessita para produzir leite e manter uma boa condição física.
Boa função ruminal
O rúmen é um grande tanque de fermentação (148 a 222 litros numa vaca adulta) que contém uma população abundante e variada de microrganismos (cerca de 150 biliões microrganismos por colher de chá), entre os quais bactérias, protozoários e fungos. O ambiente quente húmido do rúmen é o local ideal para os microrganismos se desenvolverem, fornecendo-lhes alimento e mantendo-os fora do contacto com o oxigénio que é tóxico para a maioria dos microrganismos do rúmen. Por sua vez, os microrganismos produzem enzimas que digerem a fibra, o amido e as proteínas transformando-os em metabolitos, sobretudo glucose, pequenos péptidos, amoníaco e gás. Esta atividade enzimática é especialmente importante para a digestão da fibra, pois o rúmen é o único local no aparelho digestivo da vaca onde a fibra será digerida. São os microrganismos do rúmen e não a vaca em si mesma os responsáveis pela digestão da fibra. O rúmen e sua capacidade de digerir celulose a partir da fibra é uma das mais principais vantagens evolutivas da vaca. Se o rúmen não funcionar adequadamente, a digestão também não será adequada. A digestão e a passagem da fibra pelo rúmen determinam quão “cheia” a vaca se sente e, consequentemente, a quantidade de ração que ingere.
A ração que consome e sua digestibilidade determinam a quantidade de energia que fica disponível para os microrganismos do rúmen se desenvolverem e para a vaca produzir leite. Os microrganismos utilizam glucose e amoníaco para se desenvolverem, resultando deste processo a produção de ácidos gordos voláteis (AGV). Por seu turno, a vaca usa os AGV e a proteína produzida pelos microrganismos do rúmen como fonte de energia para a produção de leite e como suporte do sistema imunitário e da função reprodutora. A vaca depende dos microrganismos do rúmen para suprir grande parte das suas necessidades de energia e proteína.
As condições ideais
Para que o rúmen funcione adequadamente devem estar em ótimas condições. Uma das principais causas de distúrbios no rúmen é a acidose (pH do rúmen abaixo de 6) que é muitas vezes originada por rações ricas em amido ou por rações com partículas pequenas. O amido é rapidamente convertido em ácidos gordos e gás pelos microrganismos do rúmen. O excesso de amido e a acumulação de ácidos orgânicos podem fazer baixar o pH do rúmen. Forragem demasiado picada não estimula a ruminação. Durante a ruminação é gerada saliva contendo bicarbonato de sódio que bloqueia os ácidos orgânicos produzidos durante a fermentação no rúmen, prevenindo a acidose.
Os suplementos alimentares, tais como as culturas de leveduras vivas, a monensina e o bicarbonato de sódio, são frequentemente aplicados na ração para ajudar a estabilizar as variações do pH no rúmen.
O tamanho das partículas e outros aspetos, como a composição da ração, os horários de alimentação e a interação social entre os animais podem influenciar a ruminação e a função do rúmen. A baixa ingestão de fibra devido a perturbações no rúmen ou rações desequilibradas podem reduzir a ingestão e aumentar a quantidade fibra não digerida nas fezes. Se a vaca comer menos ração e se essa ração for menos digerível, tem menos energia disponível para produzir leite. A redução do teor de gordura no leite e a laminite são dois dos sintomas mais comuns de uma função ruminal diminuída e podem estar relacionados com o baixo pH do rúmen.
A ração que a vaca ingere é o fator determinante no funcionamento do rúmen. Juntar à foragem, ao grão e à proteína outros ingredientes em pequenas quantidades pode ter um grande impacto na função ruminal. Devido à elevada quantidade e diversidade de microrganismos presentes no rúmen, e ao seu papel fundamental na digestão da ração, os suplementos alimentares podem ter um efeito direto na função ruminal.
A monensina, embora o seu uso não esteja autorizado na UE, é utilizada em muitas partes do mundo como modificador do rúmen. A monensina inibe seletivamente a produção de certas bactérias no rúmen, contribuindo para uma fermentação mais eficaz, para a redução das variações de pH no rúmen e para a estabilidade da ingestão da ração. A monensina tem uma ação antimicrobiana e pode ter efeitos indesejáveis na digestão da fibra e na produção de gordura no leite, no entanto, o seu efeito positivo na eficiência alimentar sobrepõem-se a estes aspetos negativos.
Alguns suplementos alimentares contêm micróbios ativos que estimulam determinadas bactérias do rúmen. Demonstrou-se que certas estirpes de leveduras vivas (como a YEA-SACC 1026) estimulam a digestão da fibra e a utilização do ácido láctico pelos micróbios, contribuindo para uma melhor digestão da fibra e para o aumento do pH do rúmen. Outros suplementos alimentares com outros modos de ação, desde enzimas fibrolíticas a metabolitos de fermentação, também ajudam na função ruminal.
Os suplementos alimentares devem ser escolhidos em função da sua capacidade de complementar determinada ração e tendo em conta o retorno do investimento, medido geralmente pela melhoria da produção de leite ou pela redução dos custos com a ração.
Impacto ambiental
Além do seu importante papel na digestão das rações e na produção de leite, a função ruminal também influencia o impacto ambiental da produção de leite. Durante o processo digestivo os microrganismos do rúmen produzem gases, sobretudo dióxido de carbono e metano.
A agricultura gera cerca de 9% do total das emissões de gases com efeito de estufa nos EUA e a produção pecuária (sobretudo os ruminantes) é uma das maiores fontes de emissões de metano resultantes da atividade humana. O metano gerado durante a fermentação no rúmen representa 25% da pegada de carbono da produção de leite.
Embora não se possa negar que a produção pecuária contribui para a emissão de gases com efeito de estufa, os ruminantes não são os principais responsáveis pelas alterações climáticas. Ainda assim, o setor agropecuário deve maximizar a eficiência e a produção, minimizando o seu impacto ambiental. Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa por unidade de leite ou carne é um indicador da produção e da sua eficiência ambiental.
Uma vez que o rúmen é uma das principais fontes de emissão de metano, os programas de nutrição e a escolha dos componentes da ração são vitais para garantir uma função ruminal eficiente.
Os programas para reduzir as emissões de metano e a pegada de carbono das explorações leiteiras através da nutrição devem integrar rações com elevado nível de digestibilidade, maximizando a produção e a eficiência do efetivo.
Incluir aditivos modificadores da fermentação ruminal nas rações pode reduzir diretamente as emissões de metano ao alterar a bioquímica do rúmen e/ou inibindo seletivamente a produção de metano pelos microrganismos do rúmen. As vacas mais produtivas são mais eficientes e têm uma pegada de carbono mais baixa do que as vacas menos produtivas.
Um aumento da produção de leite de 100kg/vaca contribui para diminuir em 3 a 7% as emissões de metano por kg de leite. Aumentar os índices de produção das vacas através da nutrição, gestão e/ou genética contribuirá para diminuir as necessidades energéticas dos animais para se manterem, aumentando a eficiência da alimentação e reduzindo a pegada de carbono por unidade de leite.
O rúmen deve ser o primeiro fator a considerar na alimentação das vacas de leite, pois é responsável por uma grande parte da energia e proteína que a vaca consome. Uma boa função ruminal é vital para a produção de leite e eficiência alimentar. Uma vaca com alto rendimento é que come uma ração equilibrada que contribui para um bom funcionamento do rúmen e para a produção de leite, tornando-a mais eficiente, rentável e sustentável do ponto de vista ambiental.
* Research project manager, Alltech, Irlanda. Artigo publicado originalmente na revista “International Dairy Topics”, Volume 18, Nº 3